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MANIFESTO PÚBLICO APROVADO NO II SEMINÁRIO SOBRE REFORMA DA PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES MUNICIPAIS DE FORTALEZA E EM ASSEMBLÉIA GERAL DA CATEGORIA NO DIA 11 DE FEVEREIRO DE 2.004.

DA NÃO OBRIGATORIEDADE DOS MUNICÍPIOS ADOTAREM AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA EC 41/03

A Magna Carta de 5 de outubro de 1988, cita contribuições, em seu art. 149, que diz o seguinte:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
§ 1º – Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social.”

O § 1º supra transcrito, prescreve uma competência residual aos Estados, Distrito Federal e aos Municípios para instituírem contribuição previdenciária de seus servidores? Impossível, porque esta competência é concorrente, conforme giza claramente o inc. XII, do art. 24 da CF/88:

” Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(…)
XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;
(…)
§ 1º. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.”

Cum grano salis, a competência para legislar sobre previdência dos servidores é concorrente. Em assim sendo, observe-se que a União Federal só pode dispor sobre regras gerais, conforme a melhor doutrina leciona, o que seria até despiciendo asseverar haja vista a literalidade do § 1º, do próprio art. 24:

“Preceitos que estabelecem princípios, os fundamentos, as diretrizes, os critérios básicos, conformadores das leis que necessariamente terão que sucedê-las para completar a regência da matéria. Isto é: daquel’outras que produzirão a ulterior disciplina específica e suficiente, ou seja, indispensável para regular o assunto que foi objeto de normas apenas gerais” (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO. “Curso de Direito Administrativo.” 5ª ed., Malheiros Editores, 1994, p. 269).

“São declarações principiológicas que cabe à União editar, no uso de sua competência concorrente limitada, restrita ao estabelecimento de diretrizes nacionais sobre certos assuntos, que deverão ser respeitados pelos Estados-membros na feitura de suas respectivas legislações, através de normas específicas e particularizantes que as detalharão, de modo que possam ser aplicadas, direta e imediatamente, a relações e situações concretas a que se destinam, em seus respectivos âmbitos políticos” (DIOGO DE FIGUEIREDO ALMEIDA NETO, “Competência Concorrente Limitada – O problema da conceituação das normas gerais.” RIL, 100-27).

“Estabelecem diretrizes sobre o cumprimento dos princípios constitucionais expressos e implícitos, sem se imiscuírem no âmbito de competências específicas dos outros entes federativos”. (LUCIA VALLE FIGUEIREDO. “Curso de Direito Administrativo.” 2ª ed., Malheiros Editores, 1995, p. 207).

Entretanto, dentre tantos doutos doutrinadores, há um doutrinador que merece destaque, não por qualquer motivo mas por se tratar do constituinte originário MICHEL TEMER:

“Mas, ao lado das residuais, o Estado ainda é senhor de competências expressas, competências em comum, competências concorrentes e competências suplementares.(…)
Finalmente, a competência suplementar, que decorre da concorrente. Explico. Nas competências concorrentes a União pode editar apenas normas gerais. Mas o Estado pode suplementar essa atividade da União. Ou seja: o Estado pode – em atenção, naturalmente, às suas peculiaridades locais – legislar sobre normas gerais nos claros deixados pelo legislador federal. E, inexistindo lei federal sobre tais normas, o Estado as expedirá sem limitação, plenamente.”

Isto quer dizer que, ao retirar os inativos e pensionistas da condição de não incidência, catapultando-os para o status de contribuintes da previdência social, bem assim como prescrevendo-lhes a alíquota mínima, a EC 41/03 desceu a normas específicas reservadas aos entes federados, violando o espaço federativo, em que pese o § 4º do art. 60 da CF/88 prescrever que:

“Art. 60 – CF/88 – §4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;”

O objeto da EC 41/03 era a abolição da forma federativa da República Federativa do Brasil? O princípio federativo, como princípio estruturante da República, é nitidamente maculado pela invasão do âmbito de competências estaduais e municipais. Observe-se que o federalismo consiste:

“No Brasil, a questão da discriminação da competência tributária é manifestação do próprio Federalismo, por configurar partilha, descentralização do poder de instituir e regular tributos.
Sendo assim, as ordens jurídicas tributárias (federal, estadual e municipal), que convivem na ordem jurídica nacional, são produzidas por órgão legislativos próprios das comunidades descentralizadas, uma vez que são manifestações da distribuição do poder estatal, vale dizer, da competência para instituir e regrar tributos.”

E o que fez a EC 41/03? Não apenas a invasão já retro citada, mas alterou completamente a redação do § 1º do art. 149 da CF/88 nos seguintes moldes:

“Art. 149 – CF/88. …………………………………………………………….. …
§ 1º – Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.”

O poder constituinte derivado não possui tal autorização. Não foi DESTA federação que o Município de Fortaleza em 1988 concordou fazer parte. Ex.a., o desafio ao pacto federativo é acintoso. Segundo o honorável PAULO BONAVIDES:

“O poder de reforma constitucional exercitado por um poder constituinte derivado, sobre ser um poder sujeito a limitações expressas do gênero daquelas acima expostas, é também circunscrito a limitações tácitas, decorrentes dos princípios e do espírito da Constituição.””

Necessariamente, JOSÉ AFONSO DA SILVA não teria outro entendimento:

“É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem: ‘fica abolida a Federação ou a forma federativa de Estado’, (…)
Assim, por exemplo, a autonomia dos Estados federados assenta na capacidade de auto-organização, de autogoverno e de auto-administração. Emenda que retire deles parcela dessas capacidades, por mínima que seja, indica tendência a abolir a forma federativa de Estado. Atribuir a qualquer dos Poderes atribuições que a Constituição só outorga a outro importará tendência a abolir o princípio da separação de Poderes.”

Portanto, atentar contra a competência legislativa estabelecida pelo Constituinte Originário é uma forma de abolição, e perigosa, da federação. A doutrina dominante entende como normas gerais as diretrizes, o roteiro a seguir, pois à norma geral não é dado exaurir a matéria, sendo-lhe terminantemente proibido adentrar nos detalhamentos regulamentadores, afigurando-se curial os ensinamentos de ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA:

“Logo, enquanto a atual Constituição estiver irradiando efeitos, é terminantemente proibida proposta de emenda constitucional que, ainda que por via transversa, colime suprimir ou modificar nossa Federação.
Por maiores motivos, não poderão ser expedidas leis ou normas infralegais (e.g., regulamentos) que, de alguma forma, anulem as exigências do princípio federativo. A interpretação é também inidônea para reduzir as dimensões deste alicerce de nosso ordenamento jurídico.
Não é por outra razão que as leis do Congresso Nacional (seja as federais, seja as nacionais, como, por exemplo, as leis complementares que veiculam ‘normas gerais em matéria de legislação tributárias’) deverão sempre levar em contra a existência dos Estados e de suas competências (mesmo as tributárias), que só podem ser exercitadas por seus Poderes Supremos (Legislativo, Executivo e Judiciário), na forma de suas respectivas Constituições e leis.”

Adicione-se a isto alguns aspectos históricos. O charmoso argumento da EC 41/03 é de que há um déficit previdenciário e que os atuais inativos e pensionistas nunca contribuíram para o regime previdenciário. Felizmente, e o que apenas reforça as dimensões do agravo à Federação, o Município de Fortaleza possui previdência superavitária e seus servidores contribuem desde 1953. Ou seja, a motivação da EC 41/03 não guarda qualquer relação com a situação do Município de Fortaleza.

Somos, portanto, irresolutamente conclusivos no sentido de que não, NÃO ESTÁ O MUNICÍPIO DE FORTALEZA-CE OBRIGADO A SE ENVERGAR AO DISPOSTO NA EC 41/03. Em verdade, digamos-vos, déficit atuarial nunca pode ser responsabilidade dos inativos e pensionistas. A previdência social sempre foi e sempre será a responsabilidade da sociedade ativa economicamente para com os inativos, ou seja, aqueles que foram os seus precursores e permitiram que hoje, estejam ativos economicamente.

Notas:

1.TEMER, Michel. ELEMENTOS DE DIREITO CONTITUCIONAL. 2002, São Paulo, Malheiros, 18ª ed., pp. 86;87.

2. ROCHA DIAS, Eduardo. “As contribuições no sistema tributário brasileiro”, in AS CONTRIBUIÇÕES NO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO. 2003, Fortaleza, Dialética e ICET, p. 225.

3. “A repartição de competências entre a União e os Estado-membros constitui o fulcro do Estado Federal, e dá origem a uma estrutura estatal complexa, que apresenta, a um tempo, aspectos unitário e federativo. (…) É federativo (associativo), enquanto cabe aos Estados-membros participar da formação da vontade dos órgãos federais e enquanto lhes é conferida competência para dispor sobre as matérias que lhes reserva a Constituição Federal, com incidência nos respectivos territórios e populações.” (JOSÉ AFONSO DA SILVA in “Curso de Direito Constitucional Positivo, 1996, São Paulo, Malheiros, 12ª ed., pp. 102;103)

4. MACHADO DERZI, Mizabel Abreu. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR. 1998, Rio de Janeiro, Forense, 7ª ed., p. 134.

5. BONAVIDES, Paulo. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. 1997, São Paulo, Malheiros, 7ª ed., p. 178.

6. DA SILVA, José Afonso. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO. 1996, São Paulo, Malheiros, 12ª ed., p. 69.

7. CARRAZZA, Roque Antonio. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO. 2002, São Paulo, 17ª ed., pp.130;131.

Texto redigido pelo Dr. Eric Sáboia, assessor jurídico do SINDIFORT